Vejamos agora como essa introdução da personagem Ezequiel/Escobar aparece na minissérie Capitu (Globo), dirigida por Luiz Fernando Carvalho, em 2008.
Assista ao vídeo do mesmo capítulo adaptado para a minissérie. Vale lembrar que, para o cineasta, não existe adaptação de um suporte para outro. O diretor caracteriza o trabalho feito para a TV como uma aproximação da obra, e não uma adaptação. Dessa maneira, o que veremos não é uma tradução literal do texto, mas um jogo, uma brincadeira, “uma fantasmagoria”, para usarmos as palavras do diretor.
Descreva as diferenças entre a figura de Escobar no capítulo do romance e no trecho da minissérie.
Para formar outra imagem de Escobar no vídeo, o cineasta Luiz Fernando Carvalho jogou com outras linguagens, como a dança e a música. Identifique como esse jogo foi feito e a quais linguagens ele faz referência.
Fonte: Um seminarista (2014).
É importante notar que leituras e análises recentes, tanto do romance Dom Casmurro como da minissérie Capitu – e do livro Lavoura Arcaica, que abordaremos adiante – fazem referências a relações homoafetivas.
Essas referências aparecem em Dom Casmurro (romance) e em Capitu (minissérie), pela forma apaixonada e admirada como Bentinho se identifica com Escobar/Ezequiel. Já em Lavoura Arcaica, André, o protagonista, em seu regresso ao lar, descobre que seu irmão caçula, Lula, tem o mesmo desejo que ele: abandonar a casa, bem como é uma personagem associada ao lado esquerdo da mesa, à esquerda do pai.
O livro e o filme sugerem que um irmão inicia o outro sexualmente, para confortá-lo, e, nessa obra, não se pode, pois, interpretar as relações familiares e interpessoais literalmente.
Tais temáticas dão margem a uma discussão com os(as) alunos(as) acerca da questão das relações homoafetivas, bem como da história de composição e significação dos termos “homossexual” e “homossexualidade”, analisadas por Jurandir Freire Costa em A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo (1992).
Perceba também que, no trabalho de recriação do diretor, o clássico ganha outra roupagem que atualiza a obra, ao mesmo tempo que a situa em sua época.
Cria-se outro discurso para o livro, no qual a história é contada em várias linguagens (filmagem, narração, sonoplastia, trilha sonora, dança etc.), representando Capitu, as paixões e a personagem central (Dom Casmurro/Bentinho), conforme a leitura do diretor. A personagem principal é construída de acordo com um perfil de quem sente saudade de si mesmo a ponto de querer recontar, numa ópera, a própria história e as narrativas de uma paixão que não viveu plenamente.
Podemos compreender, assim, esse trabalho de reação, recriação e aproximação da obra também como uma narrativa transmídia que revive e reconta a história por recortes. Ao dialogar com a obra original e criar ao lado dela, Luiz Fernando Carvalho mostra a relevância dessa obra, com sua temática tão universal e, ao mesmo tempo, tão subjetiva, atualizando-a na minissérie, por meio da linguagem cinematográfica, para fruidores contemporâneos .
Por que, então, não abordarmos o texto literário não por uma leitura histórica, isolada e descontextualizada da obra, mas por um viés criador e criativo como fez o diretor?
Como poderíamos recontar um clássico da literatura ou um autor(a) de peso, como Machado, usando as novas mídias e linguagens? A própria biografia e a obra do diretor nos acenam algumas possibilidades de como fazer isso, caminho que percorreremos na próxima proposta.
A primeira fala de uma personagem no romance Dom Casmurro é: “Continue.”