O fazer docente é uma atividade socioprática, ou seja, aquela que em geral é praticada muito antes de ser teorizada. Disso resultam muitos conflitos historicamente enfrentados pelos(as) professores(as). Vamos então tentar compreender com maior profundidade a natureza e a especificidade dessa função.
Maria do Céu Roldão entende que a função de ensinar configura-se como “[...] a especialidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém (o acto de ensinar só se actualiza nesta segunda transitividade corporizada no destinatário da acção, sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada acção de ensinar).” (ROLDÃO, 2007 p. 95). É, portanto, uma ação que exige um processo de mediação. Alerta-nos a autora que “saber produzir essa mediação não é um dom, embora alguns o tenham; não é uma técnica, embora requeira uma excelente operacionalização técnico-estratégica; não é uma vocação, embora alguns a possam sentir.” (ROLDÃO, 2007 p. 102). Ela destaca ainda que a ação docente requer conhecimentos específicos, exigentes e complexos.
Então, quais são as características desses conhecimentos específicos da profissão docente? Roldão (2007) afirma que um primeiro aspecto é sua natureza compósita, resultante da influência de saberes de várias naturezas que se transformam e recriam-se mutuamente, tais como os conhecimentos disciplinar, pedagógico, experiencial, curricular, contextual, cultural etc.
Além de um rigoroso domínio de muito saber técnico (como fazer), o saber do(a) professor(a) exige também o domínio de componentes improvisativos e criadores frente ao contexto diário. A autora alerta que esse saber improvisativo e criador precisa dar-se em concomitância com análises e meta-análises que permitam criar sentidos e novas potencialidades para a ação.
Em terceiro lugar, o saber docente, pela singularidade e imprevisibilidade das situações cotidianas, requer questionamentos permanentes das ações práticas, dos conhecimentos e das experiências anteriores, possuindo uma natureza mobilizadora de saberes prévios e de capacidades cognitivas criativas.
“Finalmente, a construção de um conhecimento profissional docente implica comunicabilidade e circulação. Será talvez esta a dimensão que mais afasta, na realidade dominante das práticas actuais de ensino, os docentes da posse de um conhecimento profissional pleno, na medida em que a acentuação da representação da vertente prática do conhecimento docente tem sublinhado as componentes tácitas de conhecimento que de facto a integram. Mas sobre esse conhecimento tácito importa saber exercer, pela meta-análise referida, a desconstrução, desocultação e articulação necessárias à sua passagem a saber articulado e sistemático, passível de comunicação, transmissão, discussão na comunidade de pares e perante outros, sem o que o seu desenvolvimento resulta impossível ou diminuto, perdendo-se infindáveis energias e progressos relevantes do conhecimento produzido pelos docentes, por força desta limitação, muito forte na classe, e explicável entre outros factores, pelo praticismo que historicamente se associou à representação social do professor.” (ROLDÃO, 2007, p. 101).
"Aprende-se e exerce-se na prática, mas numa prática informada, alimentada por velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores – ou, desejavelmente, tudo isto numa prática colectiva de mútua supervisão e construção de saber inter pares." (ROLDÃO, 2005 apud ROLDÃO, 2007, p. 102).