A falta de problematização da natureza do conhecimento científico parece refletir-se em questões como a ausência de contextualização nas aulas de Ciências. Para Ricardo (2005), isso pode fortalecer um pensamento consensual, o que acaba sendo um tanto quanto perigoso, pois o saber científico passa a ser visto como o verdadeiro, fundamentado sempre em problemas bem elaborados e, em contrapartida, os estudantes chegam na escola com outros conhecimentos, ou seja, conhecimentos construídos na sua interação com o cotidiano, conhecimentos empíricos, os quais podem ser entendidos como constituintes do senso comum.
Contextualizar, nesse sentido, requer uma aproximação entre esses dois mundos, o do senso comum e da produção/divulgação do conhecimento científico. Outra pergunta então surge: como propiciar essa relação sem que os conhecimentos empíricos sejam considerados apenas como meras explicações para as coisas da vida, com um status muito abaixo do que a ciência pode oferecer como forma de compreensão?
"[...] a contextualização não se resume em partir do senso comum, ou do cotidiano imediato do aluno, e chegar ao saber científico. Esse caminho não ocorre sem rupturas. O ponto de partida é a crítica ao senso comum, a fim de proporcionar um distanciamento e oferecer ao aluno alternativas que o levem a sentir a necessidade de buscar novos conhecimentos. Surge aqui um novo conceito: o de problematização. Este que parece indissociável da contextualização e que aponta para sua dimensão sócio-histórica." (RICARDO, 2005, p. 218).
Ao se propor uma análise da epistemologia escolar em Ciências, é interessante observar, assim como Lopes (2000), ao fazer referência à obra do epistemólogo Gaston Bachelard, que essa linguagem é enriquecida ao considerarmos a perspectiva histórica e a característica descontínua do conhecimento. Isso significa, entre outras coisas, uma aproximação do ensino de Ciências com aspectos relacionados à História, Filosofia e Sociologia, podendo se configurar em um dos caminhos possíveis, e um tanto quanto férteis, para analisarmos a entrada da linguagem científica no ambiente escolar.
A partir de uma atenção especial aos obstáculos que podem surgir no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos científicos, Bachelard (1996) desenvolve a ideia de descontinuidade entre os conhecimentos comum e científico, ao observar, por meio de fatos históricos, esse processo no próprio desenvolvimento da ciência. Ou seja, ele aproxima essas duas instâncias de construção de conhecimento, apontando que o conhecimento científico é uma superação do conhecimento do senso comum não questionado.
A aproximação dessas reflexões com o campo da Educação também pode ser subsidiada pela compreensão da existência de um conhecimento tipicamente escolar, como é defendido por Chevallard (2009), que considera a Educação como uma instância própria do conhecimento, não ocorrendo uma simples reprodução ou a mera simplificação dos conhecimentos científicos. Dessa forma, podemos entender que a escola também é um espaço importante de construção de conhecimento.
Nesse sentido, a relação entre as duas instâncias, a de conhecimentos científicos e a de conhecimentos escolares, dar-se-á, entre outras coisas, em virtude da legitimidade conferida às ciências que, por sua vez, são influenciadas por instâncias educacionais, políticas e sociais. Assim, os conhecimentos que atuam no campo da Educação passam por alguns processos, vindos do campo das Ciências.
Nessa perspectiva de relações e transformações de saberes, Astolfi e Develay (1990) também identificam uma nova forma de organização do conhecimento, referente à produção de conhecimentos escolares.
Com isso, torna-se viável um caminho de compreensão de que os conhecimentos científicos e os conhecimentos escolares são conhecimentos distintos, principalmente se aceitarmos que, no ensino de Ciências, sempre estaremos situados dentro do propósito de ensinar uma linguagem que rompe com a linguagem comum.
Parece claro, até aqui, que o pensar em nossas práticas, levando em conta o contexto em que as desenvolvemos, é de suma importância para que haja uma compreensão mais ampla de ciência enquanto um processo. Entretanto, será que apenas contextualizarmos a ciência em nossas aulas é suficiente para atingirmos essa perspectiva processual da construção do conhecimento científico? Será que isso é suficiente para desenvolvermos uma boa aula de Ciências? Ou melhor: será que esse amplo entendimento é possível somente nos limites disciplinares da nossa área?
Isso é o que discutiremos a seguir.