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Tópico II - Identidades

Da Identidade Nacional às Tribos Urbanas

Caro(a) cursista,

Seja bem-vindo(a) ao segundo tópico de nosso curso, intitulado Identidades!

Nesta breve introdução, queremos sinalizar alguns desdobramentos que a noção de identidade pode nos oferecer. Embora algumas leituras requeiram uma compreensão histórica, nosso propósito aqui é oferecer uma abordagem sociológica sobre os processos de construção identitária em diferentes contextos.

A palavra "identidade" tem origem latina, "idem", que implica igualdade e continuidade. Há uma longa tradição filosófica que examina a permanência em meio à mudança, bem como a unidade em meio à diversidade. No entanto, foi somente ao longo do século XX que essa palavra passou a ter os significados com que nós frequentemente a associamos.

Assim, com a emergência de diversos processos de massificação nas sociedades ocidentais (por exemplo, a expansão e universalização do ensino, a universalização da participação política, a abrangência dos meios de comunicação de massa etc.), bem como a partir de fenômenos ligados ao multiculturalismo (por exemplo, a atitude de minorias étnicas e religiosas que tiveram que redefinir ou reforçar suas “raízes” em meio a processos migratórios), a busca por se determinar “quem realmente se é” passou a ser, cada vez mais, um traço definidor da contemporaneidade. Nas ciências sociais, as discussões sobre identidade foram trilhadas a partir de dois referenciais distintos: a psicodinâmica e a sociológica.  Como vimos no tópico anterior, ao apresentarmos as principais abordagens sobre socialização, as teorias sobre identidade também se amparam naquelas perspectivas.

Por exemplo, a vertente psicodinâmica tem em Freud e na teoria psicanalítica importantes contribuições iniciais, e vimos o quanto as explicações sobre o desenvolvimento da criança vão nessa direção. Nessa linha também se encontram os trabalhos do psico-historiador Erik Erikson, que concebeu a identidade como um processo localizado tanto no cerne do indivíduo como também no da cultura comum. É dele, por exemplo, a expressão “crise de identidade” (frase que se tornou, como sabemos, quase um senso comum), ao estudar pacientes que haviam perdido o “senso de igualdade pessoal e de continuidade histórica” ao vivenciarem as dramáticas consequências da Segunda Guerra Mundial (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 370).

Já a vertente sociológica também conheceu vários desdobramentos, começando pelo interacionismo simbólico de autores como George Mead e Peter Berger. Em geral, para esta tradição, a identidade é concebida como socialmente outorgada, socialmente sustentada e socialmente transformada. Também discutimos isso através das perspectivas internalizadoras, que enfatizam o quanto nos identificamos com os papéis sociais que incorporamos nas nossas relações sociais.

O que ambas as perspectivas acima têm em comum, sobretudo por partirem do pressuposto da interiorização, é que quanto mais a sociedade moderna é regida pela diferenciação e dissolução de laços comunitários, mais os indivíduos careceriam de um claro senso de identidade, dando origem a conflitos internos e crises vividas subjetivamente. No entanto, como sabemos, outras perspectivas, como aquelas vinculadas à hermenêutica, permitem compreender a construção de novos processos de identificação e construção de relações sociais. Ou seja, a individualidade exacerbada poderia tanto acarretar o estranhamento e a alienação individual, a fragmentação e a perda de um propósito ou de um sentido da vida, assim como o ajustamento a papéis sociais definidos externamente (explicados pela vertente funcionalista/internalizadora), como, por outro lado, ofereceria ao indivíduo maiores escolhas e possibilidades de autorrealização, sobretudo quando buscasse a autocompreensão e o reconhecimento das diferenças (compreendidas pelas vertentes hermenêuticas).

No entanto, como teremos ocasião de ver ao longo deste tópico, a palavra identidade também está relacionada a práticas sociais, relacionais, simbólicas e políticas, e, evidentemente, musicais.

Assim, poderíamos nos referir à busca de uma “identidade nacional” quando, por exemplo, no Brasil dos anos 1920 e 1930, vários intelectuais, políticos e literatos se questionam sobre o que é “ser brasileiro”, o que nos definiria em relação a outras nações; ou quando diversos segmentos da população afro-descendente se organizam e vão para o espaço público denunciar o racismo, exigir tratamento igualitário, lutar por reconhecimento e participação política, valorizar e conferir dignidade à sua própria condição étnica; ou, ainda, quando importantes movimentos feministas se organizam em prol da igualdade de gênero, da luta contra o machismo e da opressão masculina; da mesma forma, quando movimentos protagonizados por gays, lésbicas e transexuais se dispõem a lutar contra a homofobia, a lesbofobia e a transfobia e pelo direito ao reconhecimento, pela valorização de suas respectivas identidades sexuais e assim por diante. Também podemos nos referir a relações identitárias quando os(as) jovens se relacionam com seus pares através do compartilhamento de gostos e estilos musicais, artísticos e culturais em comum, tendo por base localizações geográficas, pertenças étnicas, religiosas, de gênero, posicionamentos políticos, comportamentais etc.

Este tópico divide-se em duas partes, e convidamos você, professor e professora, a trilharmos juntos dois percursos possíveis para a discussão sobre o tema identidades: a) através de diversas manifestações culturais, políticas e intelectuais da identidade nacional; e b) através dos imaginários sonoros protagonizados pelas culturas juvenis (em especial o funk e o hip hop), por meio dos quais podemos compreender certos processos específicos de identificação (étnica, social e de gênero).

 

Vídeo sobre identidade cultural / realidade regional e brasileira

Volte para o seu lar (Marisa Monte)

 

Diferenças (Tabu Brasil) (Criolo)

 

Os ícones acima podem nos dar uma ideia da complexidade que é lidarmos com o termo “identidade”. Só pelas poucas sugestões que demos, é possível perceber que ela comporta diferentes significados. Podemos começar refletindo sobre o que nos torna, a rigor, “brasileiros(as)”. Como você pode perceber, através do vídeo sobre identidade cultural, exposto no mapa do Brasil, o país na verdade reúne uma enorme diversidade cultural, embora essa diversidade não impeça um conjunto amplo de expressões literárias, artísticas, políticas e culturais, em torno de uma identidade comum a todos nós. O vídeo, feito por estudantes de jornalismo de uma universidade de Sergipe, ao discutir a identidade cultural e as realidades regionais no Brasil, torna ainda mais complexa essa situação ao nos revelar, por exemplo, o quão estamos “globalizados” e, portanto, conectados ao que se passa em todo o planeta simultaneamente, apesar das diferenças e identidades locais. Já as músicas “Volte para o seu lar”, de Marisa Monte, e “Diferenças (Tabu Brasil)”, de Criolo, revelam um outro significado da palavra “identidade”: tem a ver com uma pertença muito específica, a uma tribo, a um grupo social, a uma experiência bastante particular, ligada a crenças e tradições. Na verdade, não há grandes contradições entre essas leituras sobre identidade. Elas expressam processos de identidade e conflito, negociação, confronto ou tensão, adesão e compromisso, subjetivas, individuais e coletivas, que mantemos uns com os outros.”


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