Para começar a discussão sobre as questões levantadas anteriormente, é interessante perceber como as tecnologias estão transformando o modo como os seres humanos lidam com a sua corporeidade. Graças aos recentes avanços testemunhados em diferentes ramos da Medicina e da Engenharia, muitas maneiras de intervir sobre o corpo têm-se desenvolvido, tais como: a Medicina Genética; os novos medicamentos (e drogas) da indústria farmacêutica; as próteses e os tratamentos concebidos para deficientes físicos; as cirurgias plásticas etc. Da cura de doenças aos aperfeiçoamentos de caráter estético, o corpo experimenta várias formas de expansão, ou apenas de manipulação, de suas capacidades. Com isso, estendem-se também os limites do que se acredita, ou acreditava, ser humanamente (im)possível.
No cinema, a figura do ciborgue costuma estar inserida em cenários futuristas, quase sempre distópicos, nos quais a raça humana encontra-se subjugada pela tirania de máquinas e computadores altamente inteligentes. Filmes como Blade Runner e Robocop retratam sociedades nas quais a fronteira entre o orgânico e o cibernético se confundem, e onde se instauram regimes de corpo profundamente marcados pelo hibridismo e pela simbiose homem-máquina. Nesse sentido, muito se tem discutido sobre a relação que nós, indivíduos do século XXI, estabelecemos com as tecnologias, e se esta dá indícios de que já nos tornamos ciborgues.
De fato, essa hipótese pode parecer sem sentido, principalmente se levarmos em consideração a imagem clássica do ciborgue que nos foi legada pelos filmes de ficção. No entanto, se nos atentarmos ao fato de que um ciborgue se define como um organismo vivo cujas funções foram melhoradas por intermédio de incrementos tecnológicos, seremos capazes de melhor compreender a questão. Tomemos como exemplos os telefones celulares: são aparelhos muito populares cuja função é expandir o alcance da voz, juntamente com as capacidades auditivas do usuário, permitindo que um indivíduo possa estender sua capacidade comunicativa.
Em outras palavras, os celulares são, ao mesmo tempo, uma espécie de “super-ouvido” e de amplificador para as nossas cordas vocais. Nesse caso, reparem bem que a modificação do organismo não ocorre mediante procedimentos cirúrgicos ou pela instalação de próteses, e sim pela própria relação estabelecida pelo indivíduo com o aparelho: uma relação quase tão íntima como se este estivesse fisicamente acoplado ao corpo daquele.
Diferentemente dos ciborgues popularizados pelo cinema, cuja composição é produzida mediante a substituição de órgãos e membros, no caso do exemplo apresentado, é o significado conferido ao dispositivo o que altera a percepção do sujeito em relação à sua corporeidade, fazendo com que a tecnologia atue como uma espécie de “segunda pele”.