Uma das principais limitações das abordagens maniqueístas é o risco de encarar o tema com um olhar saudosista, como se a tecnologia viesse para substituir, ou mesmo destruir, as experiências “genuínas” da infância: é o video game “contra” o futebol de rua. Sob essa ótica, enxergamos como “inimigas” experiências que são apenas diferentes e, muitas vezes, ricas em possibilidades de interlocução.
Sendo assim, entendemos que não é produtivo eleger qual dessas vertentes merece ou não ser tratada nas aulas, já que não há um conflito real entre a “pelada” na quadra do bairro e uma partida de futebol disputada em games, como o FIFA. Pelo contrário, as duas são alternativas viáveis para tratar do esporte em diferentes frentes que, por sua vez, de outra maneira, talvez não pudessem ser conhecidas ou experimentadas. Se uma vertente é capaz de proporcionar uma fruição “encarnada” de uma modalidade, a outra pode revelar aspectos difíceis de serem visualizados nas situações de jogo propriamente ditas. Por exemplo, em jogos como o Elifoot e Championship Manager, é possível assumir a função de técnico de uma equipe de futebol, entendendo como funcionam seus componentes extracampo – a escalação, as escolhas de sistemas táticos, as características da equipe adversária, dos(as) scouts, da negociação de atletas etc. Estando nessa condição, um(a) aluno(a) pode compreender melhor como se configuram certos elementos que incidem diretamente sobre uma partida de futebol, mas que não são inteiramente perceptíveis quando se está dentro da quadra ou em campo.
No contexto dos e-sports e demais video games, existem inúmeros saberes passíveis de transposição para as vivências tradicionais do esporte. Os domínios virtual e atual são altamente intercambiáveis, permitindo que elementos de experiências construídas com corpos digitais, tais como aqueles que assumimos nos games de futebol, possam ser deslocados para as práticas que realizamos com os nossos corpos físicos. Um dos exemplos está no trabalho de Costa e Betti (2006), no qual é apresentada uma experiência pedagógica que trouxe o Quadribol do video game para as aulas de Educação Física, permitindo aos alunos e às alunas praticá-lo tanto com os joysticks quanto nas quadras poliesportivas.
Casos como esses mostram que é perfeitamente possível conhecer melhor o esporte quando se exploram as possibilidades de articulação dessa aprendizagem com os video games e que tais aprendizagens podem “saltar para fora da tela”, ganhando vida em contextos outros da vida cotidiana. Para isso acontecer, o papel da mediação pedagógica do(a) professor(a) pode ser um elemento determinante.
E agora, cursista, que tal experimentar uma dessas novas vivências digitais? Para isso, convidamos você a participar desta atividade, em que se propõe a elaboração de uma intervenção que possibilite discutir a relação entre jogos digitais e suas possibilidades de exploração na Educação Física escolar. Para ajudar nesta tarefa, levantamos várias questões para reflexão e alguns materiais que poderão auxiliá-lo(a) neste desafio. A seguir, apresentamos o passo a passo desta proposta.
Passo 1 - Inicialmente, convidamos você a refletir sobre algumas questões que envolvem a adaptação de jogos digitais para a Educação Física escolar e anotar suas respostas.
Passo 2 - Para embasar um pouco mais este exercício, sugerimos a leitura do texto Entre bolas, cones e consoles: desafios dos jogos digitais no contexto da Mídia-Educação (Física), de Gilson Cruz Júnior. Procure registrar seus apontamentos e pensar como as reflexões levantadas no texto podem colaborar na materialização de uma atividade de intervenção na sua escola.
Passo 3 - Agora, você pode questionar seus alunos e alunas se eles(as) têm familiaridade com jogos virtuais. Se sim, quais são os jogos mais comuns na realidade deles(as)? Você acha que alguns desses jogos poderão ser utilizados para abordar temáticas relevantes para o ensino-aprendizagem da Educação Física? Anote os principais jogos indicados e procure informar-se sobre eles.
Passo 4 - A partir das respostas construídas, sugerimos escolher um jogo entre os mencionados e uma temática trabalhada nas aulas de Educação Física. Em seguida, você poderá escrever um plano de aula buscando articular o jogo escolhido à temática selecionada, visando à construção de uma ação criativa de uso desses recursos. Procure inspirar-se, por exemplo, no caso da adaptação feita com o Quadribol, que converte uma realidade literária e virtual em uma realidade física, construindo uma interação entre essas dimensões. Se possível, converse com educadores(as) de outras áreas, que podem contribuir na execução dessa proposta. O importante é relacionar essas dimensões em prol de uma proposta educativa que possa ser experienciada na sua realidade escolar.
Passo 5 - Após esses quatro passos, convidamos você a escolher uma aula, uma data e tentar colocar em prática o plano construído. Procure anotar suas impressões ao observar como os(as) estudantes reagiram a essa iniciativa, e quais limites e possibilidades destacaram-se nessa experiência. Recomendamos escrever, também, uma avaliação da execução da atividade e, ao final, compartilhar o relato dessa experiência com os(as) demais colegas, no local indicado pelo(a) professor(a) do Núcleo.