Jesús Martín-Barbero, referência na área dos estudos culturais, tem investigado a construção de identidades no meio digital e ajuda-nos a questionar o papel da escola nesse processo, articulando sua análise entre a comunicação, a cultura e a política. No texto Jovens: comunicação e identidade (2002), ele afirma que há algo nos(as) jovens que precisa ser urgentemente compreendido e que é verdadeiro para todas as classes sociais, etnias e regiões do mundo: eles(as) são o ponto de emergência de uma nova cultura, que rompe com os saberes e costumes das gerações anteriores. Tais rompimentos, iniciados quando a televisão inseriu crianças e jovens no mundo adulto, intensificaram-se com a era digital.
"É como se toda a sociedade tivesse tomado a decisão de permitir que as crianças assistissem às guerras, aos funerais, aos jogos de sedução eróticos, aos interlúdios sexuais, às intrigas criminais. A pequena tela os expõe aos temas e comportamentos que os adultos se esforçaram para esconder deles durante séculos." (MEIROWITZ apud MARTÍN-BARBERO, 2002).
Assim, segundo Martín-Barbero, os(as) jovens da era digital percebem, ainda que seja de maneira pouco clara, que há uma grande e profunda reorganização nos modelos de socialização.
Todas as grandes instituições da modernidade estão passando por severas transformações. No interior delas, a escola e a família veem cada vez mais “desgastada a sua capacidade educadora e a sua autoridade” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 122). “Nem os pais constituem o eixo principal das condutas, nem a escola é o único lugar legitimado do saber, nem o livro é o centro que articula a cultura” (MARTÍN-BARBERO, 2002). Essa percepção é fonte de inquietude para jovens, pais e professores(as).
Tais inquietudes estão assim relacionadas ao radical deslocamento das formas tradicionais de continuidade da cultura de massas que foi impulsionado pela cultura digital. Da empatia dos(as) jovens com as tecnologias digitais surge uma nova sensibilidade cognitiva e expressiva, feita de novas sonoridades, imagens e fragmentações que geram linguagens e ritmos próprios. Daí resulta a formação de agrupamentos (comunidades) urbanos que congregam modos próprios de perceber e de construir suas identidades, que se caracterizam por serem temporárias e bem mais flexíveis, “capazes de amalgamar, de fazer conviver no mesmo sujeito, ingredientes de universos culturais muito diversos.” (MARTÍN-BARBERO, 2002).
Esses modos de sentir e perceber promovidos pelas novas redes de fluxos audiovisuais (mídias sociais) são similares aos modos como as cidades são habitadas, onde o sentimento de anonimato prevalece para seus(suas) habitantes na maioria dos lugares. Os espaços urbanos organizam-se de tal modo que praticamente não há necessidade de dirigir a palavra a ninguém (supermercados, shoppings, vias de trânsito rápido, praças, aeroportos, transporte público).
“A disseminação e fragmentação das cidades torna mais densa a mediação e a experiência tecnológica até o ponto de substituir, de tornar vicária, a experiência pessoal e social. Estamos habitando um novo espaço comunicacional onde 'contam' menos os encontros e as multidões que o tráfico, as conexões, os fluxos e as redes. Estamos ante novos ‘modos de estar juntos’ e novos dispositivos de percepção.” (MARTÍN-BARBERO, 2002).
Tal sensação de anonimato pode explicar porque os(as) jovens nascidos(as) nessas cidades acabam agrupando-se não a partir de seus bairros, mas sim a partir de idade e gênero, de suas preferências estéticas e sexuais, de seus estilos de vida. A multiplicidade dessas tribos urbanas representa exatamente a profundidade da reconfiguração e do deslocamento da sociabilização nos dias atuais.
Martín-Barbero defende que essa “elasticidade cultural” representa aberturas para capacidades camaleônicas de adaptação e plasticidades neuronais que facilitam o aprendizado dos “idiomas” dos novos multiletramentos digitais. Essa flexibilidade também aproxima elementos culturais distantes e heterogêneos, cria identidades em que convivem o tradicional e o moderno e estabelece cumplicidades e rupturas com o passado. Assim, as culturas juvenis tendem a hibridizar-se, deixando as gerações anteriores atônitas.