Cortar o Tempo
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez,
com outro número e outra vontade de acreditar que
daqui pra diante vai ser diferente.
Cortar o Tempo – Carlos Drummond de Andrade
Observe que Drummond, neste poema, apresentando o tempo como uma construção – “Quem teve a ideia... foi um individuo genial [...]” –, enfatiza um valor da organização do tempo em ciclos – “[...] de cortar o tempo em fatias [...]” para o ser humano, pois possibilita a sucessão de tempos de atividade e de descanso, que também têm valor psicológico, pois nos ajudam a “recarregar as baterias”, renovar esperanças para seguir adiante. Os tempos escolares são marcantemente organizados em ciclos, pensados e vivenciados de maneiras diferentes, alguns “oficiais”, outros “extraoficiais” e outros são simplesmente desconsiderados. Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde (2012), em seu artigo “Tempo escolar e organização do trabalho pedagógico”, traz uma visão interessante sobre essa questão.
“O tempo escolar oferece estruturas e organizações variadas, como a dos níveis, etapas, ciclos e cursos; a dos calendários letivos e acadêmicos; a da distribuição semanal e diária das matérias e atividades, a dos horários, etc.
Entende-se que a compreensão do significado do tempo escolar em suas variáveis é importante na elaboração de possibilidades educacionais para estudantes, instituições escolares e projetos pedagógicos. O tempo é tido para a maioria dos educadores como algo posto, um Chrónos preexistente, como um elemento dado, sem possibilidades de interferência. É preciso retomar as reflexões e perceber que o tempo é humano, não é único, mas plural, distinto, individual e coletivo. Não há um só tempo escolar, mas tempos escolares que devem ser compreendidos como espaço, como relação com os conhecimentos, também como objeto histórico construído pelos homens.” (ARCO-VERDE, 2012, p. 85, grifos nossos).
O tempo é um dos diversos elementos que compõem a cultura escolar e é instituído a partir de determinações das diferentes arquiteturas temporais, que sofrem influências internas e externas. Os aspectos internos da escola determinam e são determinados pelo contexto social, econômico, cultural e político na qual ela está inserida, enquanto os aspectos externos influenciam a escola e por ela são influenciados.
“Um tempo para se pensar juntos, para decidir, coletivamente, o que fazer, como fazer, porque fazer [...] Um tempo [...], que podia ‘ser tempo de criação’ e não o que se vivia nos últimos anos [...] tempo de repetição” (SAMPAIO, 2002, p. 190).
Os aspectos internos referem-se às metodologias, ao currículo e aos espaços escolares; os externos, à configuração da sociedade atual – caracterizada pela presença maciça das tecnologias digitais – e às políticas educacionais.