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Tópico I - Conviver com Pessoa com Deficiência

Conviver com Pessoa com Deficiência

03/07/2011 - Deise Fernandes

Como diz Reinaldo Bulgarelli, “Diversos não são os outros, diversos somos todos nós”.

Todos acreditamos na frase acima, ninguém duvida que somos todos diferentes, com características físicas, psicológicas e culturais muito diferentes, e quando pensamos na história, mais e maiores diferenças encontramos. Todavia, quando pensamos em uma pessoa com deficiência, essas diferenças vão além. As diferenças de uma pessoa com deficiência vêm carregadas de significados, de interpretações, que levam à construção de imagens, que por sua vez também estão carregadas de emoção, impregnadas das vivências ou não, com uma pessoa com deficiência. Isso sem falar do medo, que todos temos, de adquirir uma deficiência ao longo da vida.

Muitos foram os que tentaram eliminar a incoerência dos conceitos, mas a palavra “deficiente” tem um significado muito forte. Freqüentemente é confundido “deficiente” como antônimo de “eficiente”, que por sua vez leva à idéia de “incapaz”. Idéia que se fortalece quando não existe vivência com uma pessoa com deficiência ou se a vivência for com uma pessoa cuja deficiência seja de fato limitante e incapacitante.

E aqui outra questão aparece: “generalização”. De novo, a frase “Diversos não são os outros, diversos somos todos nós” não é aplicada para a pessoa com deficiência. O simples fato de ter uma deficiência, semelhante ao outro, já é determinante que seja igual. As diferenças individuais, familiares, 

socioeconômicas, psicológicas, não são levadas em consideração.

A sociedade constrói seus valores culturais, organiza-se conforme eles e se expressa através das palavras. Portanto, o primeiro grande desafio das pessoas com deficiência é superar o significado e a imagem que lhes são impostos pela palavra “deficiente”.

Seu desafio começa na família, que não espera e nem quer ter um filho com deficiência, depois na escola, na sociedade e, por fim, na empresa. Outro valor cultuado pela sociedade é o sucesso, o qual define que, para se tê-lo, é necessário ser perfeito, completo, forte, ter tudo em ordem; portanto, aquele que não tem alguma parte do seu corpo não pode conseguir o sucesso, a ordem, o progresso, e leva o estigma de dependente, necessitado de tutela.

No fundo, a frase "Diverso não são os outros, diversos somos todos nós" é muito mais frase de desejo do que de realidade, na medida em que a sociedade reconhece e valoriza os iguais, homogêneos, aqueles que de todas as formas atendam suas exigências.

O mais cruel é que a sociedade cria suas regras e, mesmo que essas sejam incoerentes ou injustas, todos acreditam e as seguem. Mesmo aqueles que são os estigmatizados acreditam que, de fato, são inferiores, menores, menos. E as pessoas com deficiência também trazem dentro de si os conceitos impostos pela cultura e precisam superar os sentimentos de inferioridade e incapacidade. 

 

Traços, 2004. Bruna Araújo Nogueira. (Fonte: FIGUEIREDO; CAMARGO, 2012)

 

 

Este artigo tem o objetivo de trazer essas questões para serem debatidas pelas pessoas, por ser necessário que se reconstruam esses valores, tanto da pessoa com deficiência como da sem deficiência, porque as imagens construídas estão na cabeça dos dois lados e de muitas formas se alimentam, impedindo que se estabeleçam relacionamentos maduros e sustentáveis.

Para escrever essas reflexões, li e reli inúmeros textos de diversos autores sensíveis, interessados na questão da pessoa com deficiência. Apesar de reconhecer a riqueza de informações, a dedicação e o esforço desses autores em definir e conceituar o que é ser pessoa com deficiência, e o que é incluí-las na sociedade, devo confessar que pouquíssimas vezes me senti representada, e raramente reconheci minha vida e meu jeito de ver as coisas nos relatos que li.

Sou cega desde os 15 anos, em conseqüência de um deslocamento de retina, que teve como causa alta miopia. Talvez, exatamente por ter perdido a visão aos 15 anos, tenha outro jeito de enxergar as coisas, mas um caso como o meu não é único. Conheço muitos colegas com deficiência visual que adquiriram a cegueira depois de adultos, e não só a deficiência visual, como qualquer outra, por conta de doenças ou principalmente acidentes de trânsito e de trabalho. Portanto, somos muitos que não nos sentimos retratados pelos estudiosos e pesquisadores do tema “Inclusão das Pessoas com Deficiência”.

"Sou cega desde os 15 anos, em consequência de um deslocamento de retina, que teve como causa alta miopia."

Não quero falar em nome das pessoas com deficiência, nem ao menos dos deficientes visuais, não fiz nenhuma pesquisa e não tenho autorização de ninguém para falar em nome do grupo. Tudo que estou escrevendo são minhas próprias reflexões que eventualmente possam refletir o jeito de viver de várias dessas pessoas. 

Em primeiro lugar, não podemos esquecer que estamos no Brasil, temos carência de quase tudo, e que a desigualdade entre as pessoas no nosso país é um aspecto mundialmente conhecido e que muito nos envergonha como brasileiros. O ideal de uma sociedade verdadeiramente inclusiva está na cabeça de poucos, e ainda temos muito que avançar para sermos uma sociedade com igualdade e respeito a todos.


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