Percebemos as dificuldades do Brasil na falta de escolas, que é sentida não só pelas pessoas com deficiência, mas por muitas crianças que, em idade escolar, não encontram vagas para estudar; no sistema de saúde, que não previne e nem cuida de todos os nossos doentes; nas poucas vagas e postos de trabalho para os brasileiros em idade economicamente ativa; na realidade de que nem todos possuem casa própria, e que muitos vivem em condições subumanas, e assim por diante. Com esse cenário brasileiro, não podemos e nem devemos esperar que especificamente as pessoas com deficiência tenham tudo o que grande parte dos brasileiros não possui. Não podemos cobrar dos governos, empresas, escolas, e mesmo famílias, o que ainda não sabem e nem podem oferecer. O Brasil está em plena construção de uma sociedade democrática e justa. E nessa construção, precisa de todos trabalhando juntos de forma compartilhada e cooperativa, para sermos uma nação forte e sustentável.
Além de sermos brasileiros e vivermos nessa realidade, antes de sermos deficientes, somos pessoas, com tudo o que isso significa.
Sonhos, medos, história de vida, oportunidades, tendências, vocações e tudo mais. É comum em minhas palestras eu pedir que as pessoas fechem os olhos e percebam que continuam sentindo, pensando, desejando as mesmas coisas de quando com os olhos abertos. A deficiência é quase como uma característica pessoal, como cor de cabelo, altura, cor dos olhos.
Desde que nascemos, ou algum tempo depois de adquirirmos uma deficiência, incorporamos suas características, suas limitações, como qualquer outra característica física. Todos nós somos acostumados com a nossa altura, por exemplo, adaptamo-nos às suas particularidades e às vezes até mesmo nos aproveitamos de suas vantagens. Assim também acontece com a deficiência.
A rotina, o sentimento de sobrevivência e a repetição das atividades fazem com que aprendamos a lidar com as limitações e a superar as dificuldades, valorizando e explorando ao máximo as facilidades e possibilidades. Existem inúmeros exemplos de pessoas com deficiência que fizeram e fazem coisas que ninguém acreditava ser possível. Mas eles conseguiram porque convivem consigo mesmos o tempo todo e sabem o quê, como, onde e quando devem avançar.
Durante um tempo, e esse tempo depende de cada pessoa, a deficiência causa algum desconforto. A falta de instituições capacitadas, as dificuldades da família na aceitação e no apoio que precisamos bem como as barreiras arquitetônicas nos causam insegurança e algumas vezes impotência para superar as dificuldades, mas a vida, com sua força extraordinária, nos impulsiona para o desafio de crescer, de se desenvolver, de avançar.
A deficiência não é doença, a deficiência não dói, portanto nossa vontade, alegria, coragem continuam dentro de nós, e chega um momento em que não suportamos a clausura e saímos para a vida. Sair para a vida não significa que sabemos o que queremos, nem sempre sabemos ao menos onde estamos, o que somos, quantos somos. Queremos sair para fazer a nossa história, do nosso jeito, de algum jeito.
As crianças fazem birra, gritam, exigem, querem porque querem ir à escola, sair, brincar. Já presenciei inúmeras cenas assim, por um lado a criança tem fome e necessidade de vida, pelo outro os familiares seguram, impedem, proíbem, por medo, desinformação ou superproteção. Não sei a medida certa. Não tenho receitas prontas, mas sei que falta diálogo entre pais e filhos. Não só das famílias de pessoa com deficiência, mas nesse caso, infelizmente, existe um componente a mais. Cada deficiência tem seus cuidados específicos. E aqui começam as confusões. O que precisa de cuidados específicos são as deficiências, e não as pessoas.
Em algum momento essas duas coisas se cruzam, mas na maioria das vezes deveriam ser tratadas em planos diferentes.
Em um primeiro plano, a pessoa com deficiência, de nascença ou adquirida, precisa de informações, capacitação, de formas e técnicas de como desenvolver os outros sentidos ou órgãos, para superar e compensar o que foi perdido. Às pessoas com deficiência visual, é necessário aprender o uso da bengala, a escrita Braille, a coordenação motora, a noção de espaço, o desenvolvimento do olfato e do ver com os ouvidos. Às pessoas com deficiência física, o desenvolvimento e fortalecimento do membro não afetado e principalmente a exploração do membro deficiente, para que faça o máximo que puder. Às auditivas, como fazer leitura dos lábios, como aprender a falar (a grande maioria dos deficientes auditivos possuem as cordas vocais perfeitas), aprender LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais), precisam aprender a se comunicar de alguma forma. Às pessoas com deficiência intelectual, a se comunicar com clareza, a fazer as atividades da vida diária com facilidade; e às múltiplas, aquilo que precisarem e puderem aprender para se tornarem o mais independente possível.
Algumas vezes esses aprendizados parecem muito esforço e até crueldade para uma criança, ou mesmo um adulto que adquiriu uma deficiência e terá que reaprender muitas coisas. Mas, na verdade, cruel é não incentivá-los, apoiá-los, empurrá-los, para que aprendam a fazer tudo o que for possível e um pouco mais.
Vivacidade, 2006. Breno Lima. (Fonte: FIGUEIREDO; CAMARGO, 2012)
Cruel e desumano é fazer que a deficiência seja motivo da dependência, da submissão, de sua descaracterização. É fazer essas pessoas mais limitadas do que a própria deficiência já o faz. Cuidar do aprendizado específico para cada deficiência é ser responsável e humano.