Caro cursista, como vimos, a controvérsia no interior das Ciências Sociais quanto às perspectivas, abordagens e conceitos não é distante dos fenômenos e processos que elas buscam compreender. Perspectivas, abordagens e conceitos são ferramentas analíticas construídas historicamente, em diálogo com o seu tempo e suas inquietações.
Pois bem. As transformações socioculturais na contemporaneidade, particularmente a partir da segunda metade do século XX, trouxeram consigo uma gama de novas inquietações e perguntas, com implicações importantes nas abordagens sobre socialização e evidentemente, também sobre a “juventude”.
Até então, a “juventude” como construção social tinha a ver com um fenômeno mais estritamente relacionado às famílias aristocráticas e burguesas: era no seio de tais famílias que a atenção à formação dos descendentes, isto é, dos herdeiros, constituía uma preocupação fundamental. Enquanto os jovens da aristocracia iam para colégios militares, por exemplo, os filhos da burguesia e dos profissionais liberais iam para as universidades. Já o destino dos filhos de famílias operárias era o mundo do trabalho, muitas vezes precoce.
Para estes segmentos, pode-se dizer que o termo “juventude” não era perfeitamente aplicável, dada sua inserção precoce no mundo adulto regido pela disciplina industrial.
A noção de juventude construída na modernidade, podemos dizer, é fruto de uma época e de determinadas classes sociais – e mais precisamente da burguesia. Nesse sentido, as expectativas, bem como os modelos de socialização, eram mais rígidos: tinham como objetivo formar jovens competentes e capazes que pudessem herdar as posições sociais privilegiadas de suas respectivas famílias. A rígida disciplina podia ser compensada com formas quase institucionalizadas de lazer e transgressão: a libertinagem consentida e a boemia, tolerados na medida em que vistos como transitórios. Assim, a própria juventude era vista como uma “fase de transição”, situada entre a “infância” e a “idade adulta”. Além disso, é importante destacar que essa juventude era concebida em termos masculinos, visto que esses tipos de experiências e sociabilidades não cabiam às vivências das mulheres.
Estas tinham os períodos de transição relacionados a outros marcadores sociais, como o casamento e a maternidade, que agregavam valores aos seus pertencimentos familiares.
Em certa medida, esse modelo ternário (infância, juventude e maturidade) ainda hoje é muito cristalizado, resultando numa imagem em que a juventude é concebida como um “vir a ser”, cujo sentido não é dado pelo fazer, mas pela meta final, isto é, “pelos fins da ação que se projeta em um futuro”. (DAYRELL, 2005, p. 28-29).
A partir dos anos 1950, um conjunto amplo de novos fenômenos sociais, produzindo diferentes experiências juvenis, passa a ganhar cada vez mais destaque, trazendo também desafios para a compreensão sociológica. As mudanças de ênfase nas abordagens sobre a socialização, bem como sobre as “gerações”, discutidas nos itens anteriores, agora começam a fazer sentido. Que mudanças foram essas e como as expressões artísticas e musicais – o fio condutor de nosso curso – interagem com elas?
Segundo Helena Abramo (1994), a partir dos anos 50 começa a surgir a noção de uma cultura juvenil genérica, não mais restrita às elites ou classes médias altas e tradicionais, mas agora cada vez mais partilhada por outros setores e grupos sociais. A emergência do estado de bem-estar social (Welfare State), sobretudo na Europa Ocidental, bem como o novo ciclo de desenvolvimento industrial, são apontados como os principais fatores para a construção de uma nova percepção de “juventude”: a ampliação da escolarização, bem como o aumento do período escolar para outros setores além das burguesias; os novos padrões de consumo, ligados ao tempo livre e ao lazer; o aumento de oferta de empregos para os jovens recém-egressos da escola e, consequentemente, aumento da renda familiar; a consolidação de uma “indústria cultural”, amparada justamente pela crescente demanda por produtos ligados ao lazer e ao tempo livre, bem como pelo aumento do poder aquisitivo. Finalmente, a emergência de um “mercado distintivamente adolescente” (TORTI, 1999, p. 12 apud DYRELL, 2005, p. 37).
Sinopse: A partir da possibilidade de gravação e reprodução de sons, a música torna-se um produto do mundo industrializado. Mas quais os fatores que determinaram esta verdadeira metamorfose no mundo musical? Apoiando-se nas ideias do filósofo alemão Theodor Adorno, o programa aponta algumas respostas à questão.
O cineasta Jorge Furtado faz uma homenagem ao cinema dos anos 1950, em especial ao neorrealismo italiano, que buscava, justamente, expressar esteticamente os anos do pós-guerra e a ideia de liberdade e juventude que eles acenavam.
Cursista, após assistir aos vídeos indicados, que estabelecem as relações entre a música e a indústria cultural, e com base na citação de Helena Abramo acima, convidamos você a prestar atenção em cada detalhe que compõe a cena do filme (evidentemente, uma recriação do imaginário e da sonoridade típicas da emergência de uma “cultura juvenil”): a motocicleta como símbolo da autonomia e da liberdade; o jeans e a jaqueta de couro; a sonoridade e a letra da canção; a estrada como símbolo de aventura, e assim por diante.