Caro(as) cursistas, provavelmente, a música que indicamos na atividade anterior, “Parque Industrial”, de autoria de Tom Zé e interpretada por Gilberto Gil em 1968, não seja conhecida por muitos de nossos(as) colegas de profissão. Pode ser que alguns ou algumas a tenham ouvido em uma ou outra ocasião. Agora, dificilmente ela terá sido ouvida pela maioria dos(as) jovens que são nossos alunos e alunas. Então, temos já uma questão a nos desafiar: o choque de gerações, as grandes diferenças que não são apenas etárias, mas dizem respeito a experiências culturais, comportamentais, relacionais.
A palavra “geração” é amplamente conhecida. Nos referimos às pessoas de mais idade como fazendo parte de uma geração anterior à nossa. No entanto, apesar do fato de essa palavra ser parte do nosso vocabulário comum, sociologicamente há uma grande controvérsia a respeito da categoria de geração.
O sociólogo alemão Karl Mannheim publicou originalmente em 1928, um importante ensaio sobre sociologia do conhecimento, traduzido para a língua inglesa em 1952 (Essays on the sociology of knowledge). Nessa obra, o autor contrapõe duas leituras distintas sobre o conceito de geração:
A vertente “histórico-romântica”, ao invés de estabelecer um conceito de tempo fixo e pautado pelo princípio da linearidade histórica, concebia o tempo como uma dimensão subjetiva e qualitativa, ou seja, associada à vivência e à experiência. Para os historicistas românticos, seria impossível determinar definitivamente tal periodização meramente cronológica, uma vez que o sentido subjetivo de uma geração dependia também da “simultaneidade” ou “contemporaneidade”; ou seja, independente da idade, indivíduos que cresciam contemporaneamente a outros nascidos em época anterior, mas que conseguiam traduzir determinados sentimentos, ideias, atitudes e valores, tenderiam a se identificar com esses. Compartilhariam uma mesma visão de mundo ou algo que poderíamos entender como um “espírito do tempo” e que afetaria indivíduos de várias gerações, simultaneamente.
A vertente “positivista” (amplamente presente na tradição liberal francesa), buscava estabelecer uma lei geral para o ritmo da história a partir da determinação biológica e limitada da existência individual. Para os positivistas, levando-se em conta o fator idade e suas etapas na trajetória individual, a duração média de uma geração seria algo em torno de 30 anos.
Partindo das definições mostradas acima, uma concepção de geração não restrita à cronologia permitiu que Mannheim chegasse à conclusão de que são as experiências vividas e compartilhadas que permitem a compreensão da categoria “geração”.
Essa mudança de tratamento tem implicações importantes para a sociologia, pois permite compreender também um outro aspecto que a simples cronologia não explica, e que se traduz na “não contemporaneidade dos contemporâneos”: o fato de que diferentes grupos etários vivenciam tempos interiores diferentes em um mesmo período cronológico. Assim, paralelamente a essa questão, Mannheim e outros sociólogos buscaram compreender a existência ou não de coesão social ou a formação de grupos concretos de indivíduos(as) interligados(as) pela mesma unidade geracional. Assim, a “situação de classe”, isto é, as condições socioeconômicas de um grupo social e seus processos de socialização, podem ser traduzidas em determinadas ações, sentimentos e valores comuns.
Portanto, é possível inferir que tanto a identidade de valores existentes para várias gerações vivendo simultaneamente quanto a diversidade e o conflito de valores existentes em grupos com a mesma faixa etária, por exemplo, podem ser compreendidos à luz deste conceito formulado sociologicamente. Não é nosso propósito, contudo, problematizar em maiores detalhes o conceito de geração. Por enquanto, é suficiente apontar que a radicalidade desse conceito formulado por Mannheim pode ser uma importante ferramenta para compreendermos sociedades que vivenciam processos intensos de transformação social, como é a nossa realidade atual.
Afinal, quem de nós já não se deparou, ou mesmo se chocou, com comportamentos, atitudes e valores disseminados entre indivíduos(as) com idades bastante próximas às nossas, mas que, por serem tão distintas de nossas experiências, parecem viver “em outro tempo”? As mudanças tecnológicas em curso, com a rapidez com que estamos acostumados a percebê-las, não são igualmente um indício dessa discrepância “geracional”? É impressionante ver a facilidade com que crianças, a partir de três anos, se relacionam com o mundo da tecnologia, em particular com tablets e equipamentos que possuem tecnologia touchscreen.