Caro(a) cursista, como vimos a partir da breve passagem sobre o conceito de geração, compreender os(as) jovens de hoje, com quem queremos trocar e construir conhecimentos, bem como formá-los(as) para a vida em sociedade é, talvez, um dos maiores desafios a que nós, educadores(as), nos aventuramos. Mas essa aventura pode ser prazerosa se, munidos(as) de ferramentas de análise sociológicas, conseguirmos traduzir muitas de nossas angústias e impasses em objeto de reflexão.
Uma primeira observação diz respeito àquilo que normalmente entendemos por “juventude”, outra palavra de uso comum e bastante difundida pelos meios de comunicação. Como categoria sócio-histórica, contudo, é preciso levar em conta que seu significado varia de sociedade para sociedade e ao longo do tempo. Nas sociedades ocidentais, esta categoria foi sendo construída historicamente através de instituições sociais fundamentais, como a escola, o Estado, as normas jurídicas, a indústria, a ciência, a tecnologia. Isso implica, portanto, reconhecer que foi com a emergência da modernidade que houve também a “construção” da juventude, bem como a hierarquização e valoração de “faixas etárias”, ritos de passagem, atribuição e reconhecimento de comportamentos, valores e atitudes.
Para pensar um pouco a historicidade desses conceitos relacionados à juventude, podemos observar algumas considerações do sociólogo Anthony Giddens, e também assitir a alguns vídeos que tematizam a questão. Vejamos: “Para os que vivem nas sociedades modernas ser criança é um estagio da vida claro e distinto. As 'crianças' distinguem-se dos 'bebês' e dos que 'engatinham'. É-se criança entre a primeira infância e a adolescência. Apesar disso, o conceito de criança, tal como tantos outros aspectos da nossa vida social moderna, só apareceu nos últimos dois ou três séculos. Nas sociedades tradicionais, os mais novos passavam diretamente de uma infância prolongada para a idade em que começam a trabalhar. O historiador francês, Philippe Ariès argumentou que a 'infância', como fase distinta do desenvolvimento, não existia nos tempos medievais (Aries, 1973). Nas pinturas da Europa Medieval, as crianças são retratadas como 'pequenos adultos' com feições maduras e o mesmo estilo de vestuário dos adultos. As crianças tomavam parte do trabalho e dos passatempos dos adultos e não tinham os brinquedos e jogos específicos de hoje.
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O conceito de 'adolescente' é específico das sociedades modernas. As mudanças biológicas que acontecem na puberdade (na medida em que a pessoa se torna capaz de manter uma atividade sexual adulta e reprodutora) são universais. Contudo, em muitas culturas isso não produz o grau de confusão e incerteza tantas vezes encontrado entre os jovens do mundo Ocidental. [...]
A particularidade de se ser um 'adolescente' nas sociedades modernas está relacionada tanto com a ideia geral de direitos da criança, como com o processo de educação formal. Os adolescentes tentam frequentemente seguir os modos dos adultos, mas são tratados legalmente como crianças. Podem desejar começar a trabalhar, mas são obrigados a permanecer na escola. Os adolescentes estão 'entre' a infância e a maturidade, a crescer numa sociedade em constante transformação.” (GIDDENS, 1997, p.61).
É comum, em nossas conversas cotidianas, particularmente entre nós, professoras e professores, associarmos o termo “juventude” a referências, muitas vezes, negativas, como “indisciplina” ou “violência”, a “comportamentos de risco” ou mesmo a gostos estéticos “duvidosos”. Por outro lado, para grande número de jovens é a escola e seus professores e professoras que, mostrando-se distantes de seu cotidiano e de suas expectativas, não lhes é atrativa.
Ambas as visões são pré-noções, construídas historicamente e bastante difundidas, e contribuem para construir um imaginário acerca da relação entre juventude e escola como se ambos fossem realidades explicáveis por si mesmas. Devemos nos perguntar, por exemplo: em que medida as questões que povoam o imaginário da “nossa” geração – isto é, a dos professores e professoras – não nos permitem enxergar uma “juventude” que não corresponde a nossas expectativas? Levando em conta o que discutimos sobre os conceitos de “geração”, é possível dizer que a chamada “crise da juventude não é mais do que um tênue reflexo da crise de cada geração adulta” (ERIKSON, 1971, apud DAYRELL, 2007, p. 192).
Por outro lado, as expectativas não atendidas dos(as) jovens não teriam a ver com a rapidez e a intensidade das grandes transformações que vêm ocorrendo nas sociedades ocidentais? Mudanças que se dão, sobretudo, nas principais instituições responsáveis pela socialização, como a família, a escola, o trabalho, etc?
Assim, quando concebemos a “juventude” como um fato concreto, ou a associamos a outras pré-noções, como “indisciplina” ou “comportamento de risco”, estamos reproduzindo o que o senso comum, a visão comumente aceita e tida como verdade e os discursos “autorizados”, enfatizam; ou seja, a “Juventude” ou a “Indisciplina” são percepções de fenômenos sociais muito complexos, percepções essas construídas num contexto de relações sociais nas quais as disputas em torno de seu significado não são nítidas. Um olhar atento e não hierarquizado sobre as diversas interações que constituem a vida dos(as) nossos(as) jovens, por exemplo, é fundamental para rompermos com essas pré-noções.
Nesse sentido, entendemos aqui que as afinidades musicais são parte importante da sociabilidade dos(as) nossos(as) estudantes e, em muitos casos, também são entendidas de forma preconceituosa por muitos(as) de nós. Nesse sentido, entendemos que um olhar sensível e crítico sobre a nossa relação com as sociabilidades e gostos musicais dos(as) estudantes pode nos ajudar imensamente na compreensão dos diferentes elementos de suas vidas, além de fomentar uma relação menos hierárquica entre nós e nossos alunos(as). Criar espaços em que essas afinidades musicais possam aparecer e ser pensadas sociologicamente no ambiente escolar pode ser fundamental para superarmos essas pré-noções. No entanto, para isso, precisamos “estranhar” as diferentes “verdades” estabelecidas sobre a juventude.