Se olharmos em perspectiva histórica, veremos que, em certos momentos, a juventude esteve associada à “revolta” e a “liberação sexual”; por exemplo, durante os anos finais da década de 1960, e em escala mundial. Em períodos de crise econômica e recessão, por exemplo, durante os anos 1980 e 1990, o problema do “desemprego”, que afetava mais especificamente aos jovens que saíam do ensino médio ou das universidades, agregou-se à palavra “juventude”. Ao lado do “desemprego”, e da falta de perspectivas profissionais mais amplas, a precarização, o uso abusivo de drogas e outros comportamentos de risco foram também frequentemente associados aos(às) jovens. No caso brasileiro, a origem social, marcada por fatores econômicos, étnicos-raciais, regionais, de gênero e orientação sexual, por exemplo, aparece como um agravante na construção estereotipada dessa juventude.
Assim, se quisermos compreender, sociologicamente, o que implica o termo “juventude”, é preciso, antes de tudo, considerar que as percepções, pré-noções ou os adjetivos que são normalmente associados a ela são parte daquilo que temos que compreender. Nas palavras de Pierre Bourdieu, é preciso “[...] tomar para objeto o trabalho social de construção do objeto pré-construído: é aí que está o verdadeiro ponto de ruptura” do saber sociológico. (BOURDIEU, 1998, p. 28).
Podemos começar relembrando o que foi visto nos itens iniciais deste tópico, e acrescentar três outros elementos importantes para o exercício da imaginação sociológica: a “desnaturalização”, o “estranhamento” e a “sensibilização”. Todos essas noções implicam, em termos práticos, questionar tudo o que concebemos como evidências empíricas, inquestionáveis, existentes por si sós. Vejamos cada uma dessas palavras:
A desnaturalização significa, justamente, o oposto daquela atitude de achar que tudo na vida é “natural”, como se a “realidade” correspondesse exatamente às representações que fazemos dela; ou seja, o procedimento da desnaturalização consiste em interpretar e reinterpretar o mundo, construir novas explicações e formular questões inéditas, diferentes das respostas mais recorrentes, usuais ou simplistas. Não se trata simples ou exclusivamente de desprezar explicações consideradas “simplistas”, mas concebê-las como explicações e representações que foram construídas em algum momento, num passado remoto ou no presente, e difundidas a tal ponto que, para muitos(as), se tornam explicações naturalizadas de como “as coisas realmente funcionam”. Por exemplo, podemos perguntar em que momento da nossa sociedade difundiu-se, no imaginário coletivo, a associação entre “juventude” e “comportamento de risco”, ou mesmo entre “juventude” e “indisciplina”. Sempre foi assim ou foi a partir de determinado contexto social que essa qualificação da juventude ganhou força?
Romper com a atitude de achar tudo “natural” implica, portanto, estranhar esse próprio mundo, nosso cotidiano, nossas rotinas mais usuais. Assim, a perspectiva do estranhamento requer também um certo reencantamento do mundo, isto é, uma atitude de voltar a admirá-lo e de não achá-lo “normal”. Requer, também, que em não nos deixemos levar por aquilo que usualmente conhecemos como “conformismo” e “resignação”; ou seja, sentir-se insatisfeito ou incomodado com a “vida como ela é” nos conduz a formular perguntas, sugerir hipóteses, questionar os próprios “fatos”, tais como eles nos são apresentados.
Para ficarmos ainda no nosso exemplo, em que medida é possível falarmos de “juventude” como algo concreto? Existe alguma unidade cultural, política ou comportamental entre todos os(as) indivíduos(as) que compõem essa faixa etária? Ou seja, será que a própria palavra “juventude” não poderia ser estranhada?
Por fim, a sensibilização pode ser vista como a possibilidade de percepção das vivências e experiências individuais e coletivas, o que nos ajuda a romper com atitudes de indiferença e incompreensão na relação com o outro e com os problemas que afetam comunidades, povos e sociedades.
Se tanto a associação entre “juventude” e “indisciplina”, por exemplo, como a própria categoria de “juventude” podem ser desnaturalizadas e estranhadas, isso implica reconhecer, no mínimo, a enorme diversidade de fenômenos existentes na nossa sociedade e que, muitas vezes por força de certas palavras que se tornam verdadeiras “camisas de força”, não são percebidas. Isso implica, portanto, perceber que há vários mundos à nossa volta e não apenas uma só “realidade”, e com isso podemos sensibilizar-nos com as inúmeras vivências e experiências existentes.
As perspectivas da desnaturalização, do estranhamento e da sensibilização podem ser entendidas como ferramentas cruciais para o desenvolvimento de uma postura investigativa, atitude fundamental para problematizarmos fenômenos considerados triviais do nosso cotidiano. Tal atitude investigativa pode ser encarada não apenas como um desafio para nós, professoras e professores, mas sobretudo, para nossos(as) estudantes. Instigá-los a pensar criticamente sobre sua realidade é fomentar conhecimentos emancipatórios, voltados para o enfrentamento de dilemas caros à nossa contemporaneidade.