Ir para página anterior Ir para próxima página

Ícone
Tópico I - Socialização

Teorias sobre o Desenvolvimento da Criança e Processos de Sociabilização

Sociabilização Primária

Cursista, antes de prosseguirmos com a discussão sobre as instituições, processos e agências de socialização, aprofundemos um pouco nossos conhecimentos sobre a chamada “socialização primária”, aquela que ocorre na família e tem a ver com o desenvolvimento da criança.

Como já indicamos antes, nenhuma categoria de análise, até mesmo os mais refinados e sofisticados conceitos sociológicos, pode abarcar a enorme diversidade do real. O próprio conceito de socialização possui uma trajetória e esteve às voltas com controvérsias epistemológicas e metodológicas. Por exemplo, no início do século XX, psicólogos, antropólogos e sociólogos concentraram-se no estudo sistemático da infância e da puberdade, enfatizando, respectivamente, as interações e relações mãe-filho, a transmissão cultural em sociedades homogêneas e o papel dessas instituições em relações que eram vistas como mais estáveis. Assim, família e cultura eram consideradas os principais agentes do processo de socialização.

 

Essa tradição intelectual, apesar das diferentes áreas de conhecimento, pode ser concebida como sendo a “teoria unitária da socialização” e que enfatiza a importância da “socialização primária” para o desenvolvimento da personalidade. Mesmo nessa vertente, há várias perspectivas distintas sobre o que significa a socialização primária, isto é, há várias teorias sobre o desenvolvimento da criança, as quais poderemos observar mais adiante.

Você já parou para pensar quando começa a consciência de si, ou autoconsciência? Em outras palavras, já se perguntou quando aparece, na criança, a ideia de que ela tem uma identidade distinta, separada da dos outros? Há várias perspectivas possíveis sobre o surgimento do self, da autoconsciência individual. Segundo o sociólogo Anthony Giddens (1993), há ao menos três grandes autores que, ao longo do século XX, procuraram respostas para essa questão e desenvolveram teorias a respeito. Vamos aqui sintetizá-las:

Para Sigmund Freud (1856-1939) e a teoria psicanalítica, a criança se transforma num ser autônomo quando aprende a equilibrar as exigências do meio com seus próprios desejos inconscientes. A criança é um ser exigente, com energias que não consegue controlar, devido à sua condição de ser indefeso. Conforme a criança aprende progressivamente a controlar seus impulsos, ou suas pulsões, ela passa a adquirir consciência das diferenças entre aquilo que consegue controlar e as respostas – coercitivas – que recebe, ainda que outras pulsões continuem a existir no seu inconsciente. É, portanto, na relação com seus pais e mediante a repressão das pulsões inconscientes que ela passa a tornar-se um ser autônomo.

Para o filósofo e sociólogo Georg Mead (1863-1931) e para a tradição do interacionismo simbólico, a criança atinge o entendimento de que é um agente distinto ao ver os outros se comportarem regularmente com ela. Nas brincadeiras, sobretudo naquelas em que começam a imitar os adultos, as crianças passam, pouco a pouco, a aprender a “fazer o papel do outro” – isto é, a aprender o que é estar na pele de outra pessoa, e só nessa fase ela passa a ter um sentido de self, isto é, de “mim” como diferente do “eu”. O “mim” é o “eu social”, ao passo que o “eu” é o bebê não socializado, amálgama de desejos e necessidades espontâneas.

Além disso, quando a criança passa a brincar com outros de forma organizada, ela aprende que os jogos possuem “regras” próprias, que não dependem nem mesmo dela ou das crianças mais próximas com quem interage. Nesse momento, ela entende também o “outro generalizado”, isto é, os valores e as regras culturais, assim como o comportamento que se exige dela em cada momento.

Para o filósofo e pensador social Jean Piaget (1896-1980) e para as teorias cognitivistas, a criança desenvolve sua capacidade de entender o mundo ao longo de vários estágios, cada qual envolvendo a aquisição de novas práticas cognitivas, e a passagem entre cada uma delas só é possível quando a anterior é bem concluída. Assim, na primeira fase, “sensório-motora”, a criança de 0 a 2 anos vai aprendendo a tocar, manipular e explorar fisicamente o ambiente que a rodeia e, ao fim desse estágio, entende que o meio ambiente tem propriedades distintas e estáveis diferentes dela. No estágio “pré-operacional”, que vai dos 2 aos 7 anos, a criança vai experimentando e interpretando o mundo basicamente em função de sua própria posição. Isto é, a característica “egocêntrica” da criança a torna capaz de ir aos poucos se comunicando, mas sempre em termos de si mesma. Não entende, por exemplo, que os outros têm perspectivas diferentes das suas. O domínio da linguagem aos 7 anos dá lugar ao terceiro estágio, “operacional concreto”, quando a criança aprende noções lógicas e abstratas, tais como causalidade, temporalidade, volume, intensidade. Ou seja, ela se torna menos egocêntrica, no sentido de que passa a saber que o mundo à sua volta independe dela. Por fim, na fase “operacional-formal” que ocorre durante a adolescência, ela torna-se capaz de entender ideias altamente abstratas e hipotéticas. Se estiver diante de um problema novo, por exemplo, é capaz de mobilizar aquilo que aprendeu de forma criativa.

Segundo Anthony Giddens (1993), apesar de as três abordagens serem muito distintas entre si, elas partilham do pressuposto segundo o qual é a socialização da infância que permite compreender, digamos, a gênese do ser social. Contudo, nenhuma dessas perspectivas oferece respostas para a socialização em contextos sociais mais complexos, ou compostos por outras agências e instâncias que não o seio familiar.


Ir para página anterior Ir para próxima página