Continuando a nossa discussão, é importante dizer que, após a Segunda Guerra Mundial, importantes sociólogos norte-americanos, como Talcott Parsons, Robert Merton, George Mead, entre outros, elaboraram algumas perspectivas teóricas sobre a socialização que foram muito influentes e, igualmente, controversas. Em geral, para esses autores, o processo de socialização implicava o aprendizado de “papéis sociais” que eram prescritos pelo sistema social. Em outras palavras, essa perspectiva pode ser compreendida como sendo a da internalização ou interiorização de valores, normas e culturas, e cujo resultado é a integração social.
Esses autores reforçaram um paradigma em ciências sociais que se tornou conhecido como funcionalismo, isto é, uma orientação metodológica e teórica em que as “consequências de um dado conjunto de fenômenos empíricos, em vez de suas causas, constituem o centro da atenção analítica” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 328).
Podemos explicar melhor essa perspectiva a partir de um exemplo usado por Robert Merton sobre a “herança”. Sabemos que todas as sociedades têm regras sobre como e o que os filhos podem herdar dos pais. A análise funcional não se interessa em saber o que levou as sociedades a determinarem desta ou daquela forma suas regras de sucessão (isto é, suas causas). Ao contrário, investiga as consequências desse sistema para o favorecimento igual ou desigual entre filhos e filhas, ou as consequências mais estruturais que levam, por exemplo, a maior concentração ou dispersão da riqueza familiar.
Assim, existem as funções manifestas – isto é, aquelas que são explicitamente reconhecidas, conscientes, verbalizadas ou autorizadas mediante o contrato – e as funções latentes, isto é, as consequências de ações inconscientes ou imprevistas por parte dos(as) indivíduos(as) e que, justamente por isso, tendem a reforçar estruturas sociais consolidadas. Ações, atitudes e comportamentos que são, aparentemente, “irracionais”, muitas vezes têm consequências mais efetivas para a manutenção/reprodução da integração social (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 330).
Nas abordagens da internalização, a representação do ser humano como um “indivíduo(a)” com liberdade de escolha seria, na verdade, uma consequência da maior complexidade social, do maior grau de diferenciação social e de racionalização de uma determinada sociedade.
Em outras palavras, a sociologia buscava compreender a situação paradoxal de que era a complexidade maior da sociedade, ou seja, a estrutura social, que permitia maior parcela de subjetividade individual. (DUBET; MARTUCCELLI, 1997). Na verdade, tratava-se de perceber o número crescente de tarefas e papéis a serem cumpridos em diversas esferas: na escola, no trabalho, na igreja, no clube, no sindicato, no mercado, um mesmo indivíduo cumpre “papéis” diferentes. Ou seja, é como se o indivíduo fosse, na verdade, um personagem social, cuja subjetividade e posição social ocupada na sociedade fizessem parte de um mesmo processo.
E por falar em “papéis”, não é por acaso que essa perspectiva da internalização e integração social adota a nomenclatura de ator social para os indivíduos. A “teoria do papel social” foi elaborada, entre outros autores, pelo sociólogo norte-americano George Mead, e pode ser definido sinteticamente como uma “resposta tipificada a uma expectativa tipificada”. Ou seja, usando-se a linguagem do teatro, a sociedade moderna pré-definiu a tipologia fundamental como um “script”, que os atores devem incorporar e tornarem-se personagens de um enredo que, embora não tenham criado, contribuem para sua manutenção e reprodução.
Professor e professora, para além de uma reflexão sobre o temas do desenvolvimentos da criança e dos processos de sociabilização, o nosso objetivo é pensar, também, sobre como essas concepções interferem diariamente na nossa prática pedagógica. Em que medida, muitas das expectativas que construímos em torno dos nossos estudantes se referem a essas noções de “papéis sociais”, por exemplo? Como as interpretações que temos sobre as suas sociabilidades e singularidades estão fundamentadas nessas concepções? O que queremos aqui é, além de recapitularmos esses debates, que são, em alguma medida, já do conhecimento do(a) cursista, instigar uma reflexão de como essas perspectivas nos constroem como educadores(as) e interferem na forma como nos relacionamos com as experiências sociais de nossos(as) alunos(as.
Além disso, lembramos que, na contemporaneidade, as sociabilidades e as possibilidades de interação ganham outro formato e outro tempo. O que precisamos pensar é como essas questões podem fazer parte do ensino de Sociologia, especialmente, partindo e/ou refletindo as tecnologias da informação e comunicação.
A concepção de sociedade de Durkheim, baseada na ideia de fato social e solidariedade, é apresentada pelo sociólogo Gabriel Cohn e por meio de visita ao menor município do país, Águas de São Pedro, em São Paulo. Na cidade, a doutoranda Rachel Weiss apresenta pontos da teoria utilizando a relativa simplicidade da vida na pequena comunidade.
Na letra dessa música, o artista Gabriel o Pensador expressa a sua (bem como a de muitos jovens) aversão a formas tradicionais de ensino, que consistem mais na imposição da disciplina e na homogeneização de comportamentos e atitudes. Ao perguntar sobre o sentido da escola: “Eu tô aqui Pra quê? Será que é pra aprender? Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer?”, o músico apresenta uma crítica ao processo à escola como agência socializadora.
Na música e letra da cantora Pitty, a artista expressa a repressão da sociedade a formas alternativas de comportamento, atitudes e valores, considerados “alternativos” ou “estranhos”. Com o refrão: “o importante é ser você, mesmo que seja estranho, seja você, mesmo que seja bizarro”, a cantora imagina ser possível assumirmos identidades ou reforçarmos nossa “personalidade” a despeito da “normalidade” social.
Caro cursista, a partir do que vimos até agora e considerando os vídeos acima, propomos refletir acerca do alcance das perspectivas da interiorização para o processo de socialização. Seguem aqui alguns passos sugeridos:
Sugerimos que um representante poste o arquivo com as considerações e reflexões do grupo no espaço indicado pelo (a) formador(a). A discussão e construção coletiva deste texto pode ser feita utilizando a ferramenta Google doc.
Também é possível expandir essa atividade em sua escola, por exemplo, perguntando a seus alunos e alunas o que pensam a respeito de casos de “desvio”, ou de “transgressão” às normas sociais. A partir das respostas, você pode estimulá-los(as) a fazer novas perguntas sobre o mesmo processo de socialização, e se haveria alternativas a tais processos.