Particularmente, a partir de 1950, consolida-se no Brasil uma “indústria cultural” puxada por uma sociedade de consumo de bens materiais (eletrodomésticos, automóveis, rádio e televisão) e bens simbólicos (mercado editorial de livros, jornais e revistas, programas radiofônicos e televisivos, cinema, teatro). Nesse cenário, novos patamares e modelos de cidadania fazem emergir um “tipo de estrutura social que aproxima cidadania, comunicação de massa e consumo” (DAYRELL, 2005, p. 25). Pode-se dizer que as várias expressões dos nossos modernismos acompanharam o intenso, e também contraditório, processo de instauração e consolidação da racionalidade capitalista no Brasil. Da Semana de Arte Moderna de 1922 até a década de 1960, as “ondas modernistas” podem ser caracterizadas tanto como românticas como modernas, passadistas e futuristas (RIDENTI, 2005, p. 88).
Para nós, professores e professoras, entender este contexto de transformações é fundamental para a compreensão das novas culturas juvenis, pois foram nas décadas de 1960 e 1970 que esse fenômeno se constituiu no Brasil.
O florescimento cultural e político dessas décadas liga-se a uma série de condições materiais comuns a diversas sociedades ocidentais do período, tais como o aumento das classes médias urbanas, uma nova composição demográfica onde os(as) jovens tinham cada vez mais peso, a urbanização e industrialização, a difusão dos meios de comunicação de massa. A citação e o vídeo abaixo podem ser uma ótima síntese para transitarmos entre as perspectivas distintas de identidade que estamos compreendendo. Segundo Marcelo Ridenti:
Caro(a) cursista, em nosso percurso para compreender sociologicamente fenômenos ligados ao tema da "identidade", primeiro focamos processos mais amplos que se deram no âmbito das relações entre Estado e sociedade no Brasil, ao longo dos séculos XIX e XX, e que foram caracterizados pela busca permanente de nossa “identidade nacional”. A partir de agora propomos uma abordagem que permita compreender processos de identificação que se dão ao nível das relações sociais entre grupos que reivindicam pertenças étnicas, culturais, sociais, de consumo, de estilo. Focamos aqui as culturas juvenis e, em particular, as identidades formadas a partir de dois gêneros musicais: o funk e o hip hop.
Bem, em primeiro lugar, toda e qualquer escolha implica uma restrição de um universo bastante amplo de outras possibilidades. Em segundo, porque imaginamos que, através destes gêneros musicais, visto que muitos dos nossos(as) alunos e alunas do ensino médio os consomem diariamente, podemos conhecer um pouco do universo simbólico de relações que os(as) jovens estabelecem uns com os outros.
Em terceiro lugar porque, como já apontamos na primeira unidade deste curso, a música aparece como um fator importante na socialização contemporânea dos(as) jovens, em particular nesta faixa etária que compreende estudantes do Ensino Médio. Por fim, porque tanto essas sonoridades quanto os veículos pelos quais elas se difundem – a internet, as redes sociais, o celular ou o smartphone – são muitas vezes, indissociáveis dos mesmos processos de socialização e identificação.
Sempre é possível pensarmos qualquer tema de “relevância social” ou qualquer “conceito sociológico” a partir dos mais diferentes fenômenos sociais. Neste ponto podemos nos valer de uma tradição sociológica que remonta aos primórdios da própria disciplina, o “ensaio sociológico”, a partir do qual importantes sociólogos como George Simmel (1858-1918), Theodor Adorno (1903-1969), dentre outros ao longo do século XX, formularam suas pesquisas e reflexões. Este esforço ensaístico, podemos resumir, consiste em uma forma de apresentação e a possibilidade de compreensão de um infindável leque de objetos e temas, tanto aqueles tradicionais, como a “guerra”, a “dominação”, o “dinheiro”, a “moral”, a “liberdade”, quanto também alguns bastante inusitados, como a “ponte”, a “moldura”, a “aventura’, o “segredo”, a “prostituição”, o “estrangeiro” e, por que não, a “o hip hop contemporâneo”, as “redes sociais”, o “smartphone”.
O percurso e o caminho para a compreensão são tão ou mais importantes do que certas “respostas”, sobretudo quando estas passam a ser “canônicas” ou “cristalizadas”. Quando nos deparamos com muitas “certezas” ou quando as julgamos corretas, dificilmente nos abrimos para novas perguntas. E a capacidade de formular perguntas novas, criativas, ousadas, inteligentes e desafiadoras constitui o aspecto mais importante da reflexão e da imaginação sociológica.