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Tópico II - Identidades

O Rap

Cursista, voltando às imagens do início do nosso item, sabemos que muitos daqueles grupos, apesar de suas origens sociais e étnicas, bem como de suas localizações no tempo e espaço, se difundiram em todo o mundo, com maior ou menor repercussão. Por exemplo, comunidades “hippies” tiveram sua origem nos EUA na década de 60 mas, no decorrer do tempo, jovens de outros países, inclusive no Brasil, se identificaram com eles e elas. O mesmo diz respeito a grupos como “rockers”, “punks”, etc. Portanto, se levarmos em conta apenas este aspecto, da presença em diversos países de fenômenos ligados a manifestações de culturas juvenis, poderíamos interpretá-las como construindo uma “linguagem internacional” ou “mundial” expressa por estilos como o rock n´roll e atitudes associadas à rebeldia, inconformismo, resistência, etc. A globalização e a massificação da internet intensificaram o fluxo de informações e circulação cultural em escala planetária.

O exemplo do “hip hop” é interessantíssimo nesse sentido, tanto em relação à “linguagem” como em sua presença na internet. Existem “raps” em diversos países, línguas, etnias e críticas diferentes, embora em cada qual podemos perceber a mesma sonoridade, bem como os estilos não sonoros de expressão – indumentária, gestual, dança e “graffiti”. Os exemplos abaixo foram selecionados ao acaso, simplesmente digitando palavras como “rap japonês”, “rap francês”, “rap indiano” e “rap árabe”. Perceba como parece que só a língua vernácula os diferencia.

 

“RAP no JAPÃO King Giddra”

“RAP no MAGREB (Norte África)”

 

“Maître Gims - Bella”

“RAP na ÍNDIA Indian Rap Cypher (Bangalore)”

 

No entanto, por mais que a globalização tenha tornado os fluxos mais intensos e os cruzamentos de fronteiras mais frequentes, não as erradicou totalmente. Nesse sentido, nenhuma interpenetração de culturas é completamente neutra ou alheia a outras relações sociais, como as de poder, dominação e tampouco indiferentes a pertenças e origens sociais. Ou seja, “apesar de objetos e símbolos circularem à escala planetária, continuam a necessitar de um ponto de ancoragem que lhes confira significado. A globalização não anulou, portanto, a importância do local, permite apenas considerá-lo sob outra perspectiva” (SIMÕES, 2010, p. 30). Voltemos às imagens do início deste item, levando em conta agora, as origens sociais de alguns dos “estilos” jovens ali reunidos. Observe o slideshow a seguir.

 

Beats – Surge nos EUA na década de 1950 e congregava jovens universitários que, influenciados pelo movimento existencialista francês, propunham uma sublevação da subjetividade contra as formas tradicionais e protocolares de vida burguesa. O movimento beatnik também reunia jovens escritores, poetas e músicos que, buscando inspiração e contato com os setores marginalizados da sociedade americana – como negros, músicos de jazz e andarilhos – reivindicavam experiências libertárias e auto-realização pessoal (ABRAMO, 1994). O romance On de Road, de Jack Keruac, bem com a música de Bob Dylan, se tornam símbolos que, posteriormente, seriam lidos e ouvidos mundialmente.

 

Teddy Boys – Surgem em Londres em torno de 1953, e compunham-se de jovens pobres de famílias operárias e suburbanas. Frequentavam lugares onde se podia ouvir o recente rock n´roll norte-americano. Suas roupas eram uma mistura de ternos – como os usados pelos jovens aristocratas ingleses –, gravatas – como aquelas dos personagens de filmes de cowboys norte-americanos –, e camisas de cores berrantes, inusitadas para a época. Inclusive o título “Teddy” era, na verdade, o apelido do príncipe Edward (ABRAMO, 1994). Dos anos 1950 em diante, grupos como mods, rockers, rockabilly e outros se formam em diversas cidades, se articulam em torno de símbolos de identidade ligados ao rock n´roll, embora menos circunscritos à condição social ou identificados com setores marginalizados, como eram os casos dos teddy boys e do movimento beat.

 

Hippies: Por sua vez, os(as) hippies dos anos 1960 guardam algumas semelhanças com os beats, como certo estilo de vida, a proposição do amor livre e a formas não convencionais de vida burguesa, ao passo que os punks dos anos 1980 se originam de jovens suburbanos da classe operária, a exemplo dos teddy boys, embora busquem se diferenciar de padrões de consumo burgueses e do próprio rock, agora bastante comercial, em nome de um retorno às origens deste estilo: a proposta da música punk é justamente uma sonoridade rudimentar, mais “autêntica”, tanto quanto suas vestimentas, que se utiliza de materiais provenientes do lixo urbano e industrial, como tecidos de plástico, calças rasgadas, meias furadas, peças de roupa fora da moda.

 
O que se nota em vários destes grupos é uma relação de “apropriação” e “reapropriação” de elementos simbólicos entre os grupos e a “indústria cultural”, uma “negociação de espaços”. O que está na origem de diversas “subculturas” é a tentativa de expressar e resolver certas contradições sociais. Por exemplo, se os teddy boys buscavam “simbolicamente” se afirmar como participantes de um mundo além de suas fronteiras de classe, vestindo-se elegantemente e saindo do seu território, já os punks procuravam exatamente o oposto, negando “seguir a moda” e participar do estilo de vida burguesa. Mas ambos, oriundos do meio operário, buscavam expressar novos sentidos e valores culturais, conquistar espaços efetivos para si mesmos, e talvez mais importante, “restaurar alguns dos elementos de coesão social obstruídos na cultura paterna, e combiná-los com elementos selecionados de outras frações de classe, simbolizando uma ou outra das opções em confronto” (ABRAMO, 1994, p. 36).

Cursista, após conhecermos um pouco mais esses “estilos” é possível reconhecer, portanto, a circulação internacional de ideias, estilos e gêneros musicais, e a apropriação particular que determinados grupos fazem e que têm a ver com suas origens sociais, étnicas, territoriais, etc.Nos próximos dois itens, faremos um exercício de localização, levando em consideração as origens sociais e as pertenças étnicas, bem como os respectivos processos de identificação, apropriação e ressignificação presentes em dois “estilos” musicais, bastante consumidos e produzidos entre nossos alunos e alunas do ensino médio, a saber, o “funk” e o “hip hop”.

A ideia aqui é que esta breve apresentação de ambos os estilos possa ser continuada tanto em seu ambiente do curso de especialização em sociologia na cultura digital, como nos espaços escolares onde você, professor ou professora, atua em seu cotidiano, com seus educandos(as) Trata-se, portanto, de recuperar aquela dimensão que apresentamos no início deste curso: exercitar a “imaginação sociológica” e propor o “estranhamento” e a “familiarização” como ferramentas que nos auxiliam na compreensão do nosso contexto, bem como na construção e compartilhamento de conhecimentos a partir dele.


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