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Tópico II - Identidades

O Funk

O “funk”, suas origens e identidades: década de 1960

Das origens do “funk” nos Estados Unidos nos anos 1960, aos “bailes funks” de comunidades e periferias de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo nos anos 1990 e 2000, passando por sua circulação por ambientes de classe média em diferentes momentos, vários caminhos se entrecruzaram, muitas transformações ocorreram, embora ainda se possa dizer que estamos diante de um mesmo “estilo musical” e de valores em comum.

De acordo com Hermano Vianna, autor do livro O mundo funk carioca (Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1988), o “funk” teria surgido da fusão de várias sonoridades e pertenças sociais, predominantemente marginalizadas: o “blues” de origem rural e afrodescendente; o “rhythm and blues” que é sua versão eletrificada e comercializada fonograficamente; o “rock”, versão copiada por adolescentes “brancos”, sendo um deles, Elvis Presley; e uma fusão mais específica entre o “rhythm and blues” e o “gospel”, a música protestante de origem afroamericana, por sua vez originada do “soul” ou dos “spirituals”, músicas cantadas “à capela” nas igrejas batistas do Sul dos EUA.

A partir dos anos 1960, essa nova sonoridade, particularmente na voz de intérpretes como James Brown, Ray Charles e Sam Cooke – inclusive imitando gestos e frases típicos de pastores protestantes – foi bastante difundida (não sem resistências e desconfianças quanto à mistura entre música sagrada e profana). E boa parte desta difusão coube ao contexto político, como o movimento pelos direitos civis ao longo daquela década, que transformaram o “funk”, basicamente, na trilha sonora da contestação e do protesto “negro” (VIANNA, 1988, p. 19). Músicas como “Say it loud – I´m black and I´m proud”, expressavam justamente o “orgulho negro” e tinham uma conotação política de resistência a formas institucionalizadas de racismo e discriminação. 

Se nos EUA o cenário musical expressava a luta pelos direitos civis e os movimentos negros, no Brasil, como vimos no item anterior, ele expressava outras manifestações políticas, em geral a ressignificação da “identidade nacional”, sendo que identidades classistas e étnicas ainda não estavam presentes. Embora artistas como Wilson Simonal compusessem canções como “Tributo a Martin Luther King” em 1967, ou Elis Regina interpretasse “Black is Beautiful” (composição de Marcos e Paulo Sergio Valle) em 1971 – gerando inclusive polêmica a respeito –, até meados de 1970 a estética negra e suas formas de expressão e criação de identidades era um tema completamente ausente no cenário cultural brasileiro.

Década de 1970

Nos EUA, a partir da década de 1970 o termo “funk” ganhou uma nova significação, passando a integrar a constelação de bens simbólicos da “black music”. Tudo poderia ser então, “funky”: uma roupa, um bairro, um jeito de andar ou uma forma de tocar música. Ao mesmo tempo, o “funk” se comercializa, passa a ser copiado por jovens não identificados com os movimentos políticos e identitários negros, e o “soul”, que já agradava a ouvidos da “maioria” branca, ganha uma sonoridade bastante comercial, como é o caso da banda Earth, Wind and Fire (Idem, p. 20).

No entanto, ao mesmo tempo em que o “funk” original perdia sua verve “revolucionária”, passava a ser tocado em danceterias, ganhava impulso com filmes como Nos embalos de sábado à noite (“Saturday Night Fever”, de 1977), e frequentava as paradas de sucesso, uma reação em busca da “autenticidade” da música negra acontecia num bairro pobre de Nova York, o Bronx: a criação do “rap” e do movimento “hip hop”, que veremos no próximo item.

No Brasil, e mais especificamente no Rio de Janeiro, curiosamente houve uma inversão desse processo. Enquanto nos EUA o “funk” fora uma criação que mesclava vários ritmos e sonoridades tendo como fio condutor a “consciência” étnica afroamericana, e depois foi perdendo suas características originais, aqui o “funk” que chega nos anos 1970 vem misturado a outros ritmos, no bojo justamente da era “disco”, dançado por jovens de classe média e só mais tarde vai ganhando uma conotação política e identitária afro-brasileira e se tornando uma manifestação cultural predominantemente suburbana. (Idem, p. 24).

A partir de 1976, também como “moda”, a estética do “black is beatiful” se difundiu e seguidores do Baile da Pesada montaram outras equipes, que organizavam seus próprios shows com dançarinos, também a princípio restritos aos bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro mas que, dado o grande sucesso, iam de segunda a segunda. Não demoraria para alcançar bairros periféricos também. Uma destas equipes foi a Soul Grand Prix, em cujos bailes predominavam o estilo “funk”, as músicas de James Brown, a moda de sapatos de solas altas e multicoloridas, e a indumentária e os cabelos “afro” ou “black power”. Nestes bailes, enquanto se dançava, projetavam-se nas paredes filmes como Shaft (seriado norte-americano bastante popular, e com atores negros nos papéis principais) e imagens de artistas, esportistas e celebridades negras internacionais, no que se pode considerar uma pretensão didática, uma “introdução à cultura negra” (Idem, p. 27).


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