Agora, talvez o aspecto mais interessante do Hip Hop e que, em certa medida, desde os anos 70 até os dias atuais ainda permanece, é o fato de tudo isso que dissemos acima poder ser feito pelos próprios “consumidores(as)” deste estilo musical. Algo parecido com as primeiras “rodas de samba” no Brasil, com seus compositores dos morros cariocas nas primeiras décadas do século XX. Algo semelhante também com os músicos de jazz e rythm and blues norte-americanos do mesmo período. Com a diferença que, ao fazerem suas próprias músicas e letras, os jovens urbanos de Nova York e mais tarde, de todas as grandes cidades do planeta, criam a partir do “já criado”, e não apenas misturam outros ritmos, num processo de “bricolagem” sonora. Assim, o sampling, que consiste na incorporação de trechos de outras músicas, às vezes as ressignificando, muitas vezes confronta a indústria fonográfica, particularmente os direitos autorais de outras composições (SIMÕES, 2010, p. 38). Ao longo do tempo, a tecnologia sonora dos toca-discos e samples dos anos 70, os primeiros computadores pessoais com capacidade de gravação e reprodução sonora dos anos 80, a multiplicação do número de programas de informática a partir dos 90, dentre outras tecnologias, permitiram a mutação do “ouvinte” em “compositor”, ou do “ouvinte-compositor” (CONTADOR, 2010, p. 171).
Voltando ao contexto histórico, ao final dos anos 70 surge o primeiro LP de música “Rap”, a faixa Rapper´s Delight, do grupo Sugarhill Gang, sucesso também no Brasil e que ficou conhecido como o “Melô do Tagarela”. Na esteira deste grande sucesso, o músico Afrika Bambaataa – que, assim como outros estava sendo convidado para gravar composições de Rap em selos de discos independentes –, associando-se com o produtor musical Arthur Baker, desenvolve um estilo de gravação de hip hop que abusava de instrumentos eletrônicos, as chamadas “drum machines”, originando uma sonoridade que potencializava a percussão e sua reverberação por poderosos alto-falantes. Essa seria, inclusive, a base sonora das festas “Black Rio” e dos bailes funks no Rio de Janeiro, por exemplo. A partir do sucesso de Afrika Bambaataa com músicas como “Planet Rock” e “Space in the Place”, o hip hop ultrapassa as fronteiras do Bronx, tornando-se um fenômeno musical e performático em diversos bairros de Nova York, e não demoraria para se tornar mundialmente conhecido.
Nos anos iniciais da década de 1980, o sucesso do Hip Hop podia ser visto nas esquinas de ruas elegantes de Nova York, nos clubes e danceterias mais famosos, em performances de breakdance que viravam moda.
Todavia, como já ocorrera com o funk, uma dupla de rappers, os Run-DMC, lançavam “Sucker MC´s” em 1983, outro marco da história do hip hop que configurou uma espécie de retorno às origens, mantendo o imprescindível das inovações tecnológicas: o vocal, o scratch e a bateria eletrônica, e cujas letras voltavam a falar do cotidiano de um “b-boy” comum, sucesso nas ruas que logo depois se tornou também sucesso de vendagens, bem como catapultou ao estrelato um grupo de jovens brancos, de ascendência judaica e de classe média, os Beastie Boys, com seu LP “Licensed to Ill”. De acordo com Hermano Vianna, “parece que a mesma história do rock se repete: adolescentes brancos copiam os ritmos negros e atingem um sucesso comercial inimaginável para seus criadores” (VIANNA, 1988, p. 24). Ao que poderíamos acrescentar: e impulsionando novas reações em busca de autenticidade e processos de identificação social, pertença étnica e socioespacial.