Pode-se dizer que a ideia de que pudéssemos ser uma “democracia racial” constituiu-se numa das principais representações identitárias sobre nós mesmos. Ela pressupõe a existência de uma sociedade sem racismos ou discriminações, tolerante em relação a casamentos inter-raciais, sem barreiras formais à ascensão social de afrodescendentes, indígenas e outros segmentos populacionais desprivilegiados econômica e socialmente. Essa representação foi tão difundida (na literatura, na música popular, nas artes plásticas, no cinema), inclusive internacionalmente, que serviu para colocar o Brasil na órbita de investigação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), entidade sob a direção da ONU). Nos anos finais da década de 1940, com o mundo recém-saído da II Guerra Mundial, a UNESCO patrocinou uma grande pesquisa internacional, reunindo antropólogos, sociólogos, psicólogos e demais cientistas sociais, sobre as causas e origens do genocídio e do racismo, e o Brasil era visto como uma espécie de “paraíso racial” a ser estudado.
Concebida por muitos como uma espécie de “mito fundador” da Nação, como exemplo de “tradição inventada”, como “ideologia”, “falsa consciência” ou imagem “naturalizada” de nós mesmos, a “democracia racial” ainda hoje é tema e motivo de debates acalorados, tanto no âmbito acadêmico como político, jurídico e cultural.
Pensando nessa questão como construção discursiva é importante lembrar que, por exemplo, as primeiras críticas que vieram da sociologia, nos anos 1960 (e como resultados da pesquisa da UNESCO), identificavam a “democracia racial” como “mito”. Para Florestan Fernandes, em seu livro de 1964, A Integração do Negro na Sociedade de Classes, a “democracia racial” expressava, entre outras percepções, a ideia de que: o “negro não teria problemas” específicos no Brasil; a própria índole do povo brasileiro não admitiria distinções raciais entre nós; as oportunidades de acumulação de riqueza, prestígio social e poder seriam indistinta e igualmente acessíveis a todos e, como pressuposto, a ideia de que não haveria nenhuma outra forma de promoção de justiça social para os negros e mulatos além daquelas resultantes da Abolição da Escravatura, em 1888.
Consequentemente, as condições de pauperismo e socialização precária que atingem predominantemente as populações “de cor” seriam vistas como efeitos residuais, a serem solucionáveis por meios individuais e por mudanças espontâneas da sociedade (FERNANDES, 2008, p. 312). Por outro lado, alguns antropólogos(as) contemporâneos(as) entendem a “democracia racial” como um conjunto de valores que teve efeitos concretos na vida dos indivíduos. Já para os diversos movimentos negros organizados na segunda metade do século XX, ela é compreendida como manifestação de uma “ideologia racista”. Nesse sentido, reforça-se a importância de se entender historicamente e sociologicamente a construção desse conceito, e também, de suas diferentes apropriações até os dias de hoje.
Cursista, talvez você lembre, em 2010 o Supremo Tribunal Federal (STF) organizou uma série de debates na forma de uma Audiência Pública, para subsidiar os ministros da Corte no julgamento de dois processos que contestavam a utilização de critérios raciais para o acesso a vagas nas universidades públicas. Como sabemos, o STF aprovou por unanimidade, em 2012, a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa para afrodescendentes e indígenas ingressarem no ensino superior. A audiência pública expressou o depoimento de diversas lideranças de movimentos sociais, acadêmicos, intelectuais e políticos, tanto contrários como favoráveis às chamadas “cotas raciais”. Acompanhar esse debate é uma forma de percebermos o quanto algumas ideias e argumentos, em particular as favoráveis e aquelas que criticam à ideia da “democracia racial”, ainda hoje são defendidos por determinados setores e grupos sociais. Em certa medida, a garantia de constitucionalidade das políticas afirmativas acabaram reconhecendo a validade dos argumentos sociológicos formulados desde os anos 1950.
Entendendo a complexidade da questão, sugerimos organizar um debate sobre o tema com os seus alunos e alunas. Sugerimos algumas questões que podem estimular a reflexão e a discussão entre a turma: O que eles(elas) pensam sobre o assunto da “democracia racial”? Como entendem a própria identidade étnico-racial? Ou mesmo, o que eles (elas) entendem por identidade étnico-racial? Como essas identidades fazem parte da cultura popular brasileira nos dias de hoje? De que modo isso se expressa na nossa cultura musical? Essas são apenas algumas de muitas perguntas que poderão ser levantadas para iniciar o debate sobre a identidade nacional e suas diferentes construções.
Recomendamos fazer um registro deste momento de interação na sala de aula. Você pode fazer um registro escrito, complementado com fotografias, relatando o que você observou neste debate. Caso seja viável e pertinente você pode registrar esta discussão em formato de vídeo. Mas lembre-se que você precisa da autorização dos pais liberando e autorizando o uso das imagens/vídeo de seus (suas) filhos (as)!
Você poderá publicar o relato desta experiência no espaço indicado pelo seu (a) formador (a).
Boa atividade!